PORTRAITS
“Retrato” vem de extrair, retirar e também trazer de novo – “re-trazer”. A etimologia latina da palavra nos faz pensar: extrair o quê? O que trazer novamente? De acordo com alguns retratistas e teóricos da arte, trata-se de extrair a alma ou essência do retratado. Ao que Bob Wolfenson responde: “Mas com que autoridade, endossado por quem? Como se mede isso? A fotografia capta uma superfície, assim como o olho. Alcançar a alma de alguém é uma enorme pretensão”.
O retrato não nasceu com a fotografia, cuja história é relativamente recente. Muito antes dela, artes como a pintura, a escultura e o desenho já se ocupavam do artifício de representar alguém. A especificidade da fotografia está na sua “mecanicidade”, algo a que o artifício do fotógrafo, sua arte, sua imaginação, precisa se aliar: para aquela imagem existir, algo esteve diante da câmera e marcou, em um pequeno instante, o filme ou o sensor. É onde tudo começa. A fotografia nasce atada à realidade.
Que realidade é essa que a arte de Bob Wolfenson capturou ao longo das mais de quatro décadas aqui presentes nesta mostra? Se não é a essência destas figuras, o que revelam seus olhares muitas vezes voltados diretamente para quem está diante dos retratos? Novamente segundo o próprio artista, “fotos dizem mais sobre o fotógrafo que sobre o fotografado”. E, se não revelam a alma, ao menos apresentam uma verdade: a do encontro entre quem está atrás e quem está diante da câmera – sintetizado, extraído e re-trazido na intensidade do instante em que o obturador é pressionado.
É precisamente nesse embate, na potência de tais encontros e em sua dinâmica muitas vezes imprevisível que o retrato pode se constituir numa imagem longeva. Para além de uma figura mecanicamente representada, aponta ao mesmo tempo para alguém que olhou intensamente através da câmera – essa espécie de ciclope-símbolo de uma atenção sustentada. É também essa verdade, a dos encontros, que fez com que muitas das imagens produzidas por Bob estampassem uma infinidade de capas de revista, editoriais, discos ou livros. Mais ainda, fez com que muitas delas permanecessem para além da circunstância em que esses trabalhos foram concebidos. Foi dessa maneira que Bob Wolfenson se tornou nomeadamente o fotógrafo brasileiro que transpôs para a mídia a figura das maiores personalidades do país, colaborando na construção de mitos. No percurso, dominou e aperfeiçoou uma linguagem que mescla erotismo e um certo estranhamento que ele chama de “ruído”. Novamente, dois ingredientes sempre presentes, em maior ou menor grau, quando se está diante de um outro.
Esta mostra não pretende abarcar toda a vasta produção de Bob Wolfenson, que vai além dos retratos. Ele é um dos fotógrafos mais representativos do Brasil, e um dos mais profícuos – da moda e da publicidade à paisagem e aos nus. No arco temporal aqui abarcado, desde os primeiros trabalhos até a foto mais recente, feita dias antes da abertura da exposição, podemos ver ainda a crônica dos costumes dos últimos 40 anos no país. Mais do que isso, vemos a construção dos principais nomes que passaram pela mídia durante esse período – e que constituíram certa identidade cultural e intelectual, em suas mais diversas manifestações. Com sua empatia e disponibilidade para o outro, Bob sabe transformar os encontros em momentos únicos, num jogo fugaz que traz à tona o que só se extrai através do próprio encontro.
Apresentado no Espaço Cultural Porto Seguro em 2018.
RODRIGO VILLELA • curador
FÁBIO FURTADO • assistente de curadoria